São seis da
manhã. O garoto acaba de acordar, esperto, pula na minha cama com a mamadeira
entre os dentes. Escuto a mãe dele saindo para o trabalho. Pelo menos ela tem
conseguido umas faxinas e garante a comida na mesa. Fico mal com isso, ela
queria estudar, ser alguém. Eu nunca gostei de escola, larguei na sétima série
e não teve quem me fizesse voltar. A surpresa veio quando ela ainda estava no ensino médio
. O pai expulsou de casa, tivemos que conseguir um barraco e nos juntar até que a menina veio. Minha princesa, delicada e carinhosa. Eu trabalhava na fábrica, conseguia cuidar das duas. Quando a menina tinha quatro anos, ele nasceu. Meu garotão, parceiro pra jogar bola, soltar pipa, ensinar a ser homem.
. O pai expulsou de casa, tivemos que conseguir um barraco e nos juntar até que a menina veio. Minha princesa, delicada e carinhosa. Eu trabalhava na fábrica, conseguia cuidar das duas. Quando a menina tinha quatro anos, ele nasceu. Meu garotão, parceiro pra jogar bola, soltar pipa, ensinar a ser homem.
Aí ano passado
veio a bomba. Fechou a fábrica e um monte de outras, toca a procurar trabalho.
Sai de manhã, volta à noite. Nem entrevista. Quando aparece uma vaga, pedem
ensino médio. E precisa disso pra pegar peso, apertar botão? Ela também foi
atrás, acabou conseguindo umas faxinas. As madames gostaram. Claro que
gostaram, ela sempre foi doida com a casa, um capricho só, é até chata. Agora
segura as pontas com isso.
Eu continuo
tentando, mas o desânimo já tomou conta, nem dá mais vontade de ir atrás. Não tenho
mais portas para bater. Levanto para arrumar a menina. Graças a Deus, ela
conseguiu vaga na escola aqui perto. Com fé em Deus ela vai estudar. Ela sim, vai ser
gente na vida.
Deixo o menino
com a minha tia. Velha abençoada! Fala muito, mas cuida dele como ninguém, até
estraga o menino. Na volta do colégio, passo no armazém. Sempre tem um caminhão
pra descarregar, limpeza pra fazer, qualquer coisa que renda um trocado. Hoje
não tem nada. Agora só no sábado, coisa da crise, foi o que o gerente disse.
Deve ser, tudo parado. Ninguém compra, ninguém vende, ninguém trabalha.
Não quero ir
pra casa sem nada. Amanhã ele faz dois anos. Desse jeito, nem um sorvetinho
consigo levar o menino pra tomar. Faz meses que não aparece serviço de pintura,
me virei um tempo assim, até que foi rareando e acabou. Agora todo mundo quer
empresa com nota fiscal, tudo direitinho. Estou ficando sem ideias. A tia
chamou pra almoçar. Vou aproveitar e tentar na net. Sempre tem alguma coisa pra
jogo no grupo.
Nada. Ninguém
procurando. Tá foda. Vou oferecer, vai que rola. Uns minutos pensando no que
escrever, vou mandar a real.
“ Amanhã meu
filho faz dois anos, e não tenho um puto no bolso, queria fazer alguma coisa
pra ele, dar uma saída com ele e a irmã. Qualquer serviço que tiverem, virar
massa, limpar uma casa, pintura, eu topo. Me chama inbox.”
Agora bora ver
o que acontece. Banho no moleque, olho o celular. Caraca, tem um monte de
comentários! Eu não tô acreditando! Gente oferecendo as coisas pra festa,
serviço, dinheiro, ajuda. Não sei o que dizer, tem gente querendo me
entrevistar. Calma! Vou responder o que ofereceu serviço pra amanhã primeiro.
Massa, agora o pessoal que ofereceu as coisas de festa. Será que a nega vai
gostar dessa história? O moleque vai se amarrar. Respondi todo mundo, agora a
tal repórter. Putz, tá anoitecendo, a nega já deve estar em casa com a menina.
Vou embora.
Nem estou conseguindo
dormir. Amanhã já tem trampo e duas entrevistas. O dia passou voando, o celular
não parou. O moleque tá feliz da vida, ganhou bolo, cachorro quente, bexiga,
tem um monte de moleques aqui em casa e eles estão tocando o terror. O garoto
tem o maior sorriso do mundo e a mãe dele até chorou na hora dos parabéns.
Ganhei um beijo babado e cheio de glacê, e foi o melhor da minha vida toda.
Acho que posso dizer que sou bem sucedido.