terça-feira, 14 de março de 2017

O aniversário

São seis da manhã. O garoto acaba de acordar, esperto, pula na minha cama com a mamadeira entre os dentes. Escuto a mãe dele saindo para o trabalho. Pelo menos ela tem conseguido umas faxinas e garante a comida na mesa. Fico mal com isso, ela queria estudar, ser alguém. Eu nunca gostei de escola, larguei na sétima série e não teve quem me fizesse voltar. A surpresa veio quando ela ainda estava no ensino médio
. O pai expulsou de casa, tivemos que conseguir um barraco e nos juntar até que a menina veio. Minha princesa, delicada e carinhosa. Eu trabalhava na fábrica, conseguia cuidar das duas. Quando a menina tinha quatro anos, ele nasceu. Meu garotão, parceiro pra jogar bola, soltar pipa, ensinar a ser homem.
Aí ano passado veio a bomba. Fechou a fábrica e um monte de outras, toca a procurar trabalho. Sai de manhã, volta à noite. Nem entrevista. Quando aparece uma vaga, pedem ensino médio. E precisa disso pra pegar peso, apertar botão? Ela também foi atrás, acabou conseguindo umas faxinas. As madames gostaram. Claro que gostaram, ela sempre foi doida com a casa, um capricho só, é até chata. Agora segura as pontas com isso.
Eu continuo tentando, mas o desânimo já tomou conta, nem dá mais vontade de ir atrás. Não tenho mais portas para bater. Levanto para arrumar a menina. Graças a Deus, ela conseguiu vaga na escola aqui perto. Com fé em Deus ela vai estudar. Ela sim, vai ser gente na vida.
Deixo o menino com a minha tia. Velha abençoada! Fala muito, mas cuida dele como ninguém, até estraga o menino. Na volta do colégio, passo no armazém. Sempre tem um caminhão pra descarregar, limpeza pra fazer, qualquer coisa que renda um trocado. Hoje não tem nada. Agora só no sábado, coisa da crise, foi o que o gerente disse. Deve ser, tudo parado. Ninguém compra, ninguém vende, ninguém trabalha.
Não quero ir pra casa sem nada. Amanhã ele faz dois anos. Desse jeito, nem um sorvetinho consigo levar o menino pra tomar. Faz meses que não aparece serviço de pintura, me virei um tempo assim, até que foi rareando e acabou. Agora todo mundo quer empresa com nota fiscal, tudo direitinho. Estou ficando sem ideias. A tia chamou pra almoçar. Vou aproveitar e tentar na net. Sempre tem alguma coisa pra jogo no grupo.
Nada. Ninguém procurando. Tá foda. Vou oferecer, vai que rola. Uns minutos pensando no que escrever, vou mandar a real.
“ Amanhã meu filho faz dois anos, e não tenho um puto no bolso, queria fazer alguma coisa pra ele, dar uma saída com ele e a irmã. Qualquer serviço que tiverem, virar massa, limpar uma casa, pintura, eu topo. Me chama inbox.”
Agora bora ver o que acontece. Banho no moleque, olho o celular. Caraca, tem um monte de comentários! Eu não tô acreditando! Gente oferecendo as coisas pra festa, serviço, dinheiro, ajuda. Não sei o que dizer, tem gente querendo me entrevistar. Calma! Vou responder o que ofereceu serviço pra amanhã primeiro. Massa, agora o pessoal que ofereceu as coisas de festa. Será que a nega vai gostar dessa história? O moleque vai se amarrar. Respondi todo mundo, agora a tal repórter. Putz, tá anoitecendo, a nega já deve estar em casa com a menina. Vou embora.

Nem estou conseguindo dormir. Amanhã já tem trampo e duas entrevistas. O dia passou voando, o celular não parou. O moleque tá feliz da vida, ganhou bolo, cachorro quente, bexiga, tem um monte de moleques aqui em casa e eles estão tocando o terror. O garoto tem o maior sorriso do mundo e a mãe dele até chorou na hora dos parabéns. Ganhei um beijo babado e cheio de glacê, e foi o melhor da minha vida toda. Acho que posso dizer que sou bem sucedido.

terça-feira, 7 de março de 2017

O Alien Insuperável

Ufo, Espaço, Alien, 3D, Liquidificador


               Eu realmente acredito que existam outras espécies inteligentes além da nossa nesse universo. Se eles estão ou já estiveram entre nós, tive dúvidas por muito tempo. Não vejo muito motivo para uma civilização superior atravessar o espaço para visitar a nossa, tão defeituosa.
                      Há uns dias, cheguei à conclusão que pelo menos uma dessas espécies está mesmo entre nós. Eles trabalham, comem, se relacionam e se parecem conosco, mas têm uma característica peculiar. São impossíveis de vencer em absolutamente tudo. Não estou falando de medalhistas e grandes empresários, nem de vencedores do Nobel. Nada disso. O alien insuperável pode ser a sua vizinha, o irmão do cunhado, namorado da prima e até você mesmo.
                       Eles até conseguem esconder essa qualidade por um tempo, mas ela costuma se revelar logo nas primeiras provocações. Faça o teste. Conte uma história de algum conhecido que tenha dez filhos, ele conhece um que tem doze, comente que seu filho não te deixa dormir a um mês, ele estará insone a um ano. Experimente comentar que a sua avó é engraçada e ele vira neto da Dercy Gonçalves. Ouse mencionar um negócio lucrativo e ele terá ganho o triplo de maneira muito mais fácil.
                      Ao que tudo indica essa espécie não tem a intenção de dominar o nosso mundo e nem é potencialmente letal, o maior mal que pode fazer é estragar o seu dia ou uma boa história. Sob nenhuma circunstância tente desmentir o que ele conta. É possível que essa espécie tenha o poder de viajar entre dimensões paralelas, por isso os fatos narrados podem ser verdade numa realidade que nós, meros mortais, não conseguimos alcançar.

                  A melhor maneira para lidar com ele (ou ela, há relatos de aparições em ambos os gêneros) é ignorar e se afastar sem movimentos bruscos. E torça para que o MIB exista de verdade, em algum lugar. O melhor remédio para manter a sanidade é esquecer essa criatura.