sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Perna Roxa

                                         Conto baseado num dos causos contados pelo meu mineiríssimo avô, Ovídio, para os netos, durante noites escuras e chuvosas. 


Era dia de finados. Todo mundo sabe que não se deve trabalhar nesse dia. Isso enfurece as almas. É o momento de prestar homenagens aos mortos. Ela nunca ligou para nada disso.

Ainda lembro da cabeça loira passando pela porta, tanto tempo atrás. Ele a trouxe, ainda com jeito de menina, vacilante e assustada nesse mundo novo. Falava pouco, lia muito. Era uma moça valorosa, cuidava da casa, entrava e saía, sempre muito apressada. Mulher pequena e esperta, não temia nada e não se dobrava a ninguém. Tinha vindo de longe e nunca fez questão de se misturar. Sacudia a cabeça quando ele tentava convencê-la a ser mais parecida com as esposas daqui. Ele perdia os cabelos e ganhava peso. A cabeça loura dela foi dando lugar a um tom mais prateado, mas a força dela nunca esmaeceu. Nem quando ele caiu no meio da sala um dia e nunca mais voltou a passar por aquela porta. Pelo contrário, a viúva, trabalhava com ainda mais energia e eventualmente até cantava durante as
tarefas.

Não demorou para a prosperidade ficar obvia e visível. A casa foi ficando mais bonita, do lado de fora, rebanhos cresceram, máquinas novas, o pomar mais frondoso, muitos empregados recém chegados. A fazenda foi se tornando viçosa e ela, cada vez mais destemida. Era comum ver homens poderosos vindo pedir-lhe favores e conselhos, que ela dava sem pestanejar, impaciente, autoritária e apressada. Alguns pretendentes se aproximaram, mas foram escorraçados sem nenhuma simpatia. Ela gostava de viver só e ser quem era.
A gente daqui sempre respeitou as tradições. De oferendas às aparições, rezas nos dias certos, jejum em momentos esperados, novenas e procissões, resguardo de trabalho quando tinha que ser. Ensinavam às crianças e passavam o costume de geração em geração. Ela, não. Revirava os olhos e ria condescendente quando Joana, a vizinha e única amiga íntima, já nos seus anos de declínio, a alertava para as tradições.
– Quando tiver tempo, eu faço, prometo. Por enquanto, você faz por nós duas. – respondia à amiga, brava pela teimosia.

A noite passou ligeira, as onze badaladas reverberaram no relógio de pêndulo, encostado na parede da sala. Era herança da mãe do falecido. Algumas vezes dava a impressão de que fazia careta para a peça. Talvez dirigisse a ele todo o desgosto direcionado à insuportável família do marido. Papéis espalhados deixavam claro que ela estava ali desde cedo, organizando contas, tabelas, mapas de propriedade, contrato de compra da fazenda de um vizinho. Ninguém além dela na casa, silêncio quebrado apenas pelos mugidos das vacas e mudanças nos ponteiros do relógio, o vento e a tempestade lá fora. A escuridão, amenizada apenas pela luz fraca de um lampião, tomava conta de tudo. A chuva levou a eletricidade embora, e a companhia só viria no dia seguinte. Ninguém faria nada naquele dia. Ela continuava fazendo as anotações, conferindo números, fazendo contas. Não havia parado nem para almoçar. As batidas fortes na porta dos fundos estremeceram até as telhas. Ela ficou quieta, talvez esperando a visita inconveniente ir embora. Uma segunda batida e a voz conhecida lá de fora.

– Rosa, trouxe seu jantar! - a voz da amiga a obrigou a se levantar. - Não precisa abrir. Deixei o pernil lá em cima do fogão. Já vou embora que a chuva está engrossando de novo. 

Rosa agradeceu e sentou-se de volta na cadeira. Prosseguiu trabalhando. Esticou-se na cadeira e percebeu que estava com fome.  Pensou em ir até a cozinha comer o que a vizinha trouxera. Eram amigas há tempos, a outra estava doente e ela sentiu uma certa culpa por receber o jantar ao invés de ir até lá, levar uma refeição para Joana, a amiga que vivia sozinha desde a viuvez. Prometeu a si mesma ser mais dedicada no futuro. Afinal, eram as vizinhas mais próximas e ambas eram sós. Deveria ter mais cuidado e prestar mais atenção à amiga.

As doze badaladas bateram enquanto chegava à entrada da cozinha. Viu a forma enorme e repreendeu Joana mentalmente. Para que aquele exagero para uma pessoa só? Mais dois passos e descobriu o volume sobre a cauda do fogão de lenha. Piscou repetidas vezes tentando assimilar o choque. Não era o pernil. Era uma perna humana, feminina e roxa, onde larvas de varejeira passeavam tranquilamente. O cheiro contundente atingiu o nariz no mesmo momento em que a porta  se abriu com um rangido agourento. O corpo gordo e careca do marido, já mutilado pela decomposição, seguido de outros cadáveres de homens, mulheres e crianças invadiam sua cozinha em passos trôpegos, enchendo o ambiente com gemidos, cheiro de carne podre e pedaços humanos que insistiam em se desgrudar de seus donos. A última coisa que Rosa conseguiu ver, foi a horda se aproximando e ferindo suas vivas carnes com dentes e unhas.

Na manhã seguinte, o capataz encontrou uma grande poça de sangue e vísceras, além da perna podre numa travessa e marcas de terra por toda a cozinha. Na casa de Joana, encontraram seu cadáver, morta por um infarto na manhã do dia de finados, com uma perna faltando.

Ninguém mais teve notícias de Rosa, nenhum corpo foi encontrado e não havia herdeiros. A fazenda foi dividida pelos funcionários e, ninguém mais queria morar na casa, que foi demolida para construir um grande celeiro no lugar do que já foi o grande orgulho daquela mulher tão desafiadora. Depois de Rosa, nunca mais, ninguém naquela região, ousou trabalhar no dia dos mortos.






terça-feira, 19 de junho de 2018

Crônica - Corrida, amigos e felicidade



Sim, eu acordei às 5:50 da manhã. Num domingo. Para correr. De propósito. Qualquer um que me conheça um pouquinho sabe o absurdo de cada termo dessa afirmação. Mil vezes ler um livro de 500 páginas a correr 500 metros. Como, então, aconteceu algo assim?
Uns dois meses atrás, uma amiga fitness veio com a ideia: “vamos nos inscrever numa corrida?”. O que poderia dar errado? Em meio a risadas, topamos. Uma amiguinha mais orgulhosamente sedentária que eu, uma menina meiga que pretendia melhorar o condicionamento, a irmã da amiga fitness, mais fitness que ela e eu, que sempre preferia qualquer outra matéria a educação física e geralmente era dispensada da aula para fazer pesquisa teórica sobre os esportes. Para completar, a síndrome do vaso vagal me impede de esforços físicos extremos desde sempre. Posso dizer que a bendita síndrome é uma das principais responsáveis pela minha relação com os livros, então, não tenho absolutamente nada contra ela.
Por que eu topei? Porque adoro as meninas e não seria estraga-prazeres, além de estar precisando fazer as pazes com o corpo. Não é exagero quando dizem que tudo muda depois dos 35. Logo depois da inscrição, compromisso de treinar e toca a fazer o que? Assistir vídeos de corrida no YouTube.
Numa mudança de trabalho, meu contato com a equipe ficou limitado ao nosso incrível grupo de Whatsapp e meu tempo e disposição para os treinos diminuíram até desaparecerem para sempre. 
Três dias antes da corrida, resolvi treinar e percebi um zumbido desagradável no ouvido, ainda assim, consegui correr/caminhar os 5km. Mantive o treino secreto no Strava porque o tempo foi constrangedor, embora melhor do que esperava. No dia seguinte, a garganta amanheceu dolorida e o corpo pedia cama. Tomei um anti-inflamatório e dei uma maneirada, mas ainda joguei queimada com o time da minha prima à noite. Parei logo que o frio da noite incomodou e vivi normalmente o sábado. Dormi cedo como um atleta tem que fazer e quando o celular despertou, tive certeza que era uma pegadinha. Eram 6:20 quando saí de casa, quase sem voz e sem cor, amaldiçoando o dia em que topei esse despropósito. Para começar, havia outros carros na rua. Quem, em sã consciência, sai de casa antes das 7 num domingo frio? O que essas pessoas têm na cabeça? Nem acreditei quando entrei na fila para largar, “azamiga” não paravam de rir da minha cara de quem ia para a forca. A uns 600 metros, a amiga fitness, o pai da amiga sedentária – que substituiu a irmã da amiga fitness - e a menina que queria condicionamento, sumiram, deixando as duas sedentárias para trás. A quase incapacidade de respirar diminuiu meu ritmo consideravelmente e pude fazer uma das coisas que mais gosto na vida: observar as pessoas quando elas pensam que não tem ninguém olhando. Senhoras felizes só por estarem ali, um casal muito fofo de namorados adolescentes, corredores contumazes, famílias e casais. Cada um tinha seu motivo para encarar aquela doideira e todos pareciam satisfeitos de maneira pouco usual. Naquela manhã fria de domingo, cada um dando seu melhor, pude ver uma felicidade que não vejo em outros ambientes. O porquê, só posso supor. Pode ser que tenhamos sido feitos para superar desafios e que nada seja mais humano que buscar os seus limites, pode ser que focar num objetivo sem competir com ninguém seja uma receita de felicidade, ou que seja só a descarga de serotonina, mas fazia muito tempo que não via tanta gente alegre num mesmo ambiente.


Cruzamos a linha de chegada e passamos muitos minutos procurando o resto da equipe, que nos abandonara pelo caminho e nem isso tirou o bom humor de ninguém. Muitas selfies por todos os lados e sorrisos espontâneos onde quer que olhasse. Algumas lições ficaram:
1.       Não dá para treinar de véspera. Ao contrário do que acontecia na escola, se quiser um bom resultado, vou precisar de disciplina;
2.       A alegria é simples. Amigos, tênis e um objetivo podem ser o suficiente;
3.       Exercício cura gripe. À exceção de uma rouquidão, estou ótima;
4.    Se precisar de uma parceira em batalha, escolho a amiga sedentária. As outras deixaram a soldada ferida para trás;
5.       Ninguém me leva a sério. 100% dos comentários na foto postada nas redes são de descrença;
6.       Acho que gosto de correr. Amanhã pretendo começar um treino decente.

domingo, 17 de junho de 2018

Resenha - Linha Amarela 4


Resenha – Linha Amarela 4
Autor – Felipe S. Mendes
Ano de Publicação - 2018
Páginas - 162
Publicação independente
Sinopse: Um ataque terrorista no horário de rush no Metrô mais lotado da América deixa mais de 7 mil pessoas presas e soterradas a mais de 55 metros de profundidade!!

Agora imagine se a sua vida e de seus amigos dependessem da honestidade e rapidez do sistema político brasileiro!!!

Linha 4 Amarela é um livro extremamente diferente de qualquer outro que você já leu ou ouviu falar.

O grupo denominado SETE explode 7 bombas implantadas em drones em todas as saídas das Estações Paulista e Consolação do Metrô, o local onde no horário de pico passam mais de 240 mil pessoas por dia.

Após a explosão um vídeo na internet revela que eles têm exigências que devem ser cumpridas nas próximas 7 horas.

Se a cada hora uma exigência não for cumprida eles vão explodir as outras 7 bombas que estrategicamente estão infiltradas entre as vítimas do ataque.

O grupo SETE fere diretamente os 3 poderes, o que causa uma ambiguidade no público, pois o que os terroristas pedem são coisas que toda a população deseja, porém, seus métodos são extremamente peculiares.

Dentro da trama temos de um lado a população e pessoas “comuns”, de outro toda a intriga entre os políticos, principalmente entre Prefeito, Governador e Presidente e ainda a Agência Brasileira de Inteligência que tem um papel duplo, de defesa da segurança nacional sem expor os conluios por trás disso.
Em jogo além do funcionamento da maior metrópole da américa latina estão ainda o jogo político e a vida de milhares de pessoas. Exatamente nessa ordem.


O romance de Felipe S. Mendes está prestes a ser lançado e se revelou uma obra intrigante desde as primeiras páginas. As histórias se apresentam paralelas nos primeiros capítulos e vão se cruzando no decorrer da história, numa narrativa ágil e envolvente, em especial para o leitor sedento de ação e teorias conspiratórias. Temos personagens peculiares que despertam antipatia, simpatia e curiosidade (destaque para Max, o filho do governador que me fez ressuscitar a psicologia da minha avó e aplicar umas boas chineladas no mimadão). Nisso, o autor cumpriu sua missão e mantém o leitor interessado do começo ao fim, nem que seja só para ver onde aquilo vai dar.
O enredo é, obviamente, jovem e traz aquela ingenuidade de quem pensa que pode mudar o mundo movendo algumas peças do tabuleiro (ou explodindo algumas bombas). O posicionamento político do autor fica óbvio em trocadilhos de nomes conhecidos da mídia, o que não chega a comprometer a qualidade do trabalho, embora acenda a luz amarela num leitor mais maduro.
A obra atrai o jovem acostumado a thrillers de cinema e literatura e entretém, enquanto passa o recado e conta uma história que tem fôlego para outros volumes e, com certeza, vale a compra e a leitura.

Em pré venda na Amazon pelo link https://www.amazon.nl/dp/B07D2ZV8TF

terça-feira, 1 de maio de 2018

Resenha - Livrinho da Silva


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Resenha – Livrinho da Silva
Autor – Aldenor Pimentel
Ano de Publicação - 2017
Páginas - 72
Editora Catarse

Livrinho da Silva é uma coletânea de histórias que têm como tema o livro e as mudanças que ele tem a capacidade de operar na sociedade.

A obra pode enganar à primeira vista, um leitor desatento. A simplicidade do enredo e da linguagem escondem as conclusões profundas do fio que conduz todas as histórias contadas ali: a realidade modificada pelo poder dos livros e das palavras.

 Aldenor Pimentel traz a leveza que só é permitida a quem tem segurança sobre o que está dizendo. Cita a história de uma lavadeira ou de um catador de material reciclável em meio a grandes pensadores sem que um ofusque o outro, pelo contrário, complementam-se numa harmonia inteligente e delicada. Tem a sabedoria de expressar grandes questionamentos de uma maneira acessível a qualquer leitor, mesmo que nunca tenha aberto outro livro na vida.

 A ironia inteligente transforma a leitura num deleite irresistível, que concluí em menos de uma tarde, incapaz de parar antes de sua conclusão. O autor consegue um equilíbrio raro: uma obra significativa e profunda, despretensiosa e divertida. Brinca com paradigmas filosóficos e ri dos pequenos delírios de auto importância todos nós.


Natural de Boa Vista (RR), Aldenor Pimentel é jornalista e escritor. Em 2018, teve o romance Eldorado de Brisa selecionado para publicação em edital do Governo de Roraima. Foi o primeiro colocado no 5º Prêmio Literário Sérgio Farina, categoria Prata da Casa, da Prefeitura de São Leopoldo (RS), além de ter recebido outros 30 prêmios em concursos literários nacionais e internacionais. É autor das obras Deus para Presidência (2015) e Livrinho da Silva (2017). Fundador do coletivo Galera da Prosa, organiza desde 2016 o Concurso Literário Internacional Palavradeiros.

quinta-feira, 19 de abril de 2018

Resenha - A anatomia de uma dor

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Resenha – A anatomia de uma dor
Autor: C.S. Lewis
91 páginas
Lançamento: 1961
Sinopse: Neste relato tocante, C. S. Lewis mostra seu lado sombrio e amargo, até então desconhecido dos leitores. Apesar de ter escrito anteriormente sobre o sofrimento, é neste livro pungente que suas emoções são colocadas à mostra. Com grande intensidade e sofrimento, o escritor revela seu sentimento de indignação após a perda de sua amada. Até descobrir algo... Deus certamente não estava fazendo uma experiência com minha fé nem com meu amor para provar sua qualidade. Ele já os conhecia muito bem. Eu é que não. Nesse julgamento, ele nos faz ocupar o banco dos réus, o banco das testemunhas e o assento do juiz de uma só vez. Ele sempre soube que meu templo era um castelo de cartas. A única forma de fazer-me compreender o fato foi colocá-lo abaixo.


Esse livro me foi recomendado ano passado, numa sessão de aconselhamento. Sendo fã de Lewis, tinha certeza que o material valeria a pena.
A primeira edição foi lançada sob o pseudônimo N. W. Clerk, o que vai se tornando cada vez mais compreensível a cada página lida. Nesse ensaio, Lewis expõe o nervo latejante de sua dor e tudo o que a acompanha. Crises de fé, medos nem sempre tão óbvios, altos e baixos, confissão das pequenas hipocrisias a busca por conforto e um sentido numa dor tão lancinante. É tão cruel que realmente fica difícil enxergar naquelas páginas o criador de Nárnia ou o cristão amoroso de Cristianismo Puro e Simples. À primeira vista, o encanto parece ter dado lugar a uma lamentação sofrida e tão íntima que chega a causar um certo constrangimento. É como se ele tivesse deixado a porta do quarto mal fechada e desse a chance do leitor observar sua intimidade mais secreta.
Lewis foi extremamente feliz em escolher o formato do texto. Enquanto desvenda a própria perda, ajuda o leitor a assimilar as próprias. Nada de cinco fases do luto, ele consegue traduzir essa dança em espiral que avança e retrocede em busca de redesenhar a vida e reencontrar o verdadeiro sentido dela. A imagem do castelo de cartas sendo derrubado para voltar a ser construído remeteu a Eustáquio tentando se livrar da couraça do dragão e só conseguindo com a ajuda dolorosa de Aslam. Ninguém vai encontrar respostas fáceis nessa obra, aliás, muitas perguntas sequer as têm. O foco é o processo, reconstruir a fé e voltar a enxergar o mundo, não com os mesmos olhos de antes (ele repudia essa ideia com verdadeiro pavor), mas com uma nova perspectiva, ciente que a memória de quem se foi sempre vai acompanhar, às vezes trazendo sofrimento, às vezes não.

segunda-feira, 16 de abril de 2018

Resenha - Via Mátrea

Resultado de imagem para via matrea livroAutor: Paulo F. Diaz
Editor: Fernando Cardoso
Ano de publicação: 2017
134 páginas

SinopseZahra está destruída por dentro desde que seu noivo, Adeel, foi morto, há 20 anos, na primeira e única invasão alienígena já vista em uma colônia de Sion, seu planeta natal. Arrasta seus dias entre lamúrias e lembranças dolorosas, enquanto tenta ser uma boa capitã para a Enir-7, uma das mais velhas naves de transporte da Força Aérea Siônica.

Está há 1 dia de deixar a corporação quando é designada a atender um último chamado de socorro em uma misteriosa lua vermelha nos confins do sistema solar.

Haveria mesmo um sobrevivente em Luctéria?
Envolva-se nessa trama de mistério, viagem estelar, ciência e amores impossíveis. A lua de sangue pode guardar grandes segredos... é só procurar no lugar certo



Zahra é a brilhante comandante de uma nave comercial interplanetária e está prestes a se aposentar de uma carreira que pouco a empolgava. Tendo perdido o noivo numa missão às vésperas do casamento, 20 anos antes, a mulher se transformou numa pessoa amarga e intratável e isso é mostrado logo nas primeiras falas, porém, a personagem vai muito além disso e é dado ao leitor conhecê-la melhor pouco a pouco a cada passagem. Na última viagem, um sinal vindo de um planeta inabitado obriga a tripulação a um desvio não previsto. A partir daí, Paulo Diaz nos guia por uma aventura cheia de mistério, descobertas, saltos interdimensionais e grandes personagens cheios de nuances e contradições difíceis de encontrar na obra de um autor iniciante, que envolvem o leitor e constroem uma leitura fluida, que agrada desde o leitor de sci-fi até quem não costuma curtir tramas desenvolvidas no espaço sideral. As sequências de ação foram descritas com a classe de quem sabe realmente o que está fazendo, deixando claro que o autor fez o dever de casa e bebeu em boas fontes de inspiração que vão muito além de Star Trek. Espero ansiosa pela continuação.


terça-feira, 10 de abril de 2018

Resenha - O segredo do meu marido


Título: O segredo do meu marido

Autor: Liane Moriarty
Editora: Intrínseca
Ano de publicação: 2014
Sinopse: Imagine que seu marido tenha lhe escrito uma carta que deve ser aberta apenas quando ele morrer. Imagine também que essa carta revela seu pior e mais profundo segredo - algo com o potencial de destruir não apenas a a vida que vocês construíram juntos, mas também a de outras pessoas. Imagine, então, que você encontra essa carta enquanto seu marido ainda está bem vivo...

Cecília Fitzpatrick tem tudo. É bem sucedida no trabalho, um pilar da pequena comunidade em que vive, uma esposa e mãe dedicada. Sua vida é tão organizada e imaculada quanto sua casa. Mas uma carta vai mudar tudo, e não apenas para ela: Rachel e Tess mal conhecem Cecília - ou uma à outra -, mas também estão prestes a sentir as repercussões do segredo do marido dela.                                                                                                                                                 
     
Essa foi uma leitura não planejada e que eu, dificilmente, faria de maneira espontânea. Só encarei a obra porque minha prima e revisora insistiu ter visto muito do meu estilo presente na narrativa de Liane Moriarty (baita elogio). A capa em tons de rosa e cheia de flores não me atraiu de cara e pareceu algo "mulherzinha" demais para o meu gosto. Não que a obra não seja extremamente feminina: ela o é. Mas diminutivos não cabem aqui.

A autora é de uma sensibilidade cirúrgica ao nos apresentar o mundo de Cecília Fitzpatrick, Tess e Rachel. As três mulheres que meramente sabem da existência umas das outras, não poderiam ser mais diferentes à primeira vista. Enquanto Cecília gasta as 24 horas de seu dia sendo a super mãe, dona de casa, empreendedora e administrando a vida de todos à sua volta, Rachel se contenta em continuar respirando, trabalhando num emprego mediano onde está a vida toda e dividindo a energia entre a adoração pelo neto pequeno e a implicância muito mal disfarçada pela nora. Tess chega de volta à cidade com uma repulsa por interações humanas que a faz desconfiar de uma fobia social, apesar de seu relativo sucesso pessoal e profissional, além de precisar lidar com uma situação inesperada e surpreendente dentro da própria casa.

O mundo das três vai se fundindo de uma maneira tão gradual que o leitor mal consegue prever quando tudo vai colidir. Embora tenha sido fácil adivinhar qual era o segredo, a costura da história se dá de maneira surpreendente e fascinante, mantendo o leitor cativo do primeiro ao último capítulo. O "tempero" das relações sociais torna uma história tensa num retrato fiel e real da nossa vida em sociedade (destaque para a cena do desfile de chapéus). Liane expõe as pequenas indiscrições e hipocrisia com uma sinceridade deliciosa e sem qualquer julgamento.

A trama cresce até o último momento quando ela nos expõe com uma simplicidade cortante, o quanto as pequenas e grandes decisões podem transformar tudo à nossa volta.


terça-feira, 3 de abril de 2018

A verdade está lá fora


MUITOS SPOILERS! SE NÃO ASSISTIU TUDO E NÃO QUER SABER, SAIA DAQUI! 



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Era o fim de 2017. Numa preguiça muito mais forte que eu, procurava algo em que desperdiçar o tempo na frente da TV. Queria uma coisa divertida sem ser pateta e meio tosca para eu não esquecer o quanto sou besta. Já tinha assistido a todos os episódios de The Walking Dead, então abri o diretório de séries do Now e deixei a vida me levar (por que não fui para a Netflix? Ora, estava com preguiça de pegar o computador). Num tédio digno de pena, fui passando de nome em nome sem me prender a nada, cogitava desistir e procurar algo de útil para fazer quando, voltando à primeira página, vi a sugestão de algo familiar, mas muito, muito antigo e que eu gostava bastante quando adolescente, até onde me lembro aquele protagonista foi um dos meus celebrity crushs do começo da adolescência. Provavelmente não tinha assistido tanto quanto gostaria, afinal, nos anos 90, TV paga e internet eram luxos que a gente conhecia o suficiente para saber que existiam, mas não eram para todo mundo, muito menos para mim.

Foi assim que comecei a maratonar Arquivo X. Logo no primeiro episódio tive a certeza de estar diante de algo que jamais iria ao ar agora e, justamente por isso, adorei o que vi. Os protagonistas eram humanos demais, nenhum dos dois tinha aquela perfeição exigida pelas câmeras HD, 4K, ou seja lá o que for, do século XXI. As roupas oversize, o cabelo meio estranho dela (alguém lembra do penteado usado num encontro no 3º episódio? Pois é, eu lembro), o jeito nerd/bom moço/maluco dele. Gostei da escolha dos atores que, embora atraentes, não ostentavam aquela beleza inalcançável que vemos todo dia. Ela tinha sardas e o nariz idêntico ao da minha mãe, ele, nenhum músculo definido e um andar desajeitado que me fez rir muitas vezes. Hoje, Dana Scully seria Scarlett Johansson e Fox Mulder, um dos irmãos Hemsworth (provavelmente o Liam).

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Desde que comecei a escrever ficção, construção de personagens é algo que me fascina. Entendo que a trama é uma boa desculpa para mostrar quem são eles. Enfim, foi fantástico conhecer um cara obstinado, sarcástico e disposto a acreditar em duendes, ET's, bruxas, fantasmas, vampiros, vudu, teorias conspiratórias e qualquer coisa que supostamente uma tribo de nômades do deserto acreditou 5.000 anos atrás, trabalhando com uma médica, mestre em física, cristã, orgulhosa de seu rigor científico e ceticismo. Logo de cara, um episódio com direito a exumação de cadáver não humano, abdução de adolescentes e um garoto em coma correndo em fuga pela rua, isso além de termos a Scully mostrando o corpinho para o Mulder com a desculpa de querer saber que marca era aquela (não julgo. Eu, provavelmente, faria o mesmo).


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Como não amar os anos 90?

Daí vão se seguindo episódios cheios de ação, mistério e efeitos especiais constrangedores, onde a lealdade e amizade dos dois vai crescendo a cada caso. Logo descobrimos que existe uma conspiração maior que a obsessão de Mulder em encontrar a irmã abduzida na infância. A dupla vira shipp na segunda temporada, depois da abdução dela, mas o relacionamento segue platônico por muitas temporadas, para alívio de quem já viu outras séries de ação perderem o rumo ao transformar seus protagonistas em casal cedo demais. A coisa vai muito bem, temos no “Smoking Man” um vilão para odiar sem ressalvas; no Krycek, um antagonista menor para nos confundir, um aliado duvidoso no Skinner, o núcleo cômico nos Pistoleiros Solitários, doses de drama, parentes mortos, doenças incuráveis, humor, mistério, ação e uma mitologia meia boca, que convence e atrai.

                              

A coisa começa a ficar estranha entre a sexta e sétima temporadas, especialmente depois que ele descobre que a irmã morreu ainda nos anos 70, que os pais sabiam da treta e que é filho de seu arqui-inimigo (Luke Skywalker feelings), Scully descobriu e perdeu uma filha num arco de dois episódios, se descobre estéril e a química entre os dois começa a sair das entrelinhas. A sétima temporada acaba com Mulder abduzido e Scully grávida, um novo agente difícil de engolir, Skinner naquela postura “não sei de que lado vou ficar, por enquanto, fico em cima do muro levando pedrada de todo mundo”.


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A 8ª temporada serve para nos mostrar que não importa quantas criaturas e luzes estranhas a série tenha, nem o quão durona a Scully seja correndo e dando porrada de salto alto, sem o Mulder atrevido, insubordinado e crente no improvável,  a série não se sustenta. Pois bem, ele volta nos últimos episódios, resolve a coisa toda, Smoking Man e Krycek estão mortos, os extraterrestres prometeram deixar William (o filho da Scully) em paz, os Pistoleiros fazendo as vezes de reis magos e um beijo tão fofo entre os dois, que eu queria guardar num potinho (sim, eu tenho coração).


Podia ter acabado a série por aí. David ia correr atrás da carreira no cinema que desejava, o spin off dos Pistoleiros seguiria, todo mundo ficaria feliz. Mas Chris Carter se recusou a sacrificar a galinha dos ovos de ouro e lá fomos nós para a 9ª temporada, sem Mulder, Scully quase sempre fora de ação e a tentativa patética de repetir a química dos primeiros protagonistas com Mônica e John.  Mesmo assim, a coisa se arrastou, pegando algum embalo nos últimos cinco episódios, com a morte dos Pistoleiros, a adoção de William, o julgamento de Mulder e uma data para o fim do mundo: 22 de dezembro de 2012. Tiro porrada e bomba, temos a última cena cheia de incertezas e alguma esperança.

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A partir daí, o caldo entorna de uma vez por todas (sim, eu vou ignorar o segundo filme). Anuncia-se a 10ª temporada, anos depois e com os mesmos atores, numa continuação da trama bem longe de onde ficou em 2002. Por que não fizeram isso em 2012, quando a humanidade deveria ser extinta, o mundo estava histérico, era a data que eles receberam na 9ª temporada e ainda não dava pena ver o David Duchovni correndo? Nunca vamos saber. A série está irreconhecível e os personagens perderam muito do que os fez interessantes lá em 1993. Admito que a crise existencial e os perrengues nesse mundo novo foram divertidos de ver por um ou outro episódio, mas não justificaram a volta de uma série icônica e tão querida. Aliás, alguém me explica por que a Mônica virou babá do Smoking Man? A 11ª até teve seus momentos dignos dos anos 90: destaque para o episódio em que eles encontram William pela primeira vez e o futurista, Rm9sbG93ZXJz, com ares de Black Mirror e uma premissa mal aproveitada, mas que rendeu um bom entretenimento.

                                    


Na noite passada, assisti ao último episódio, com semanas de atraso e o coração na mão. Podia ser a cereja do bolo ou o prego no caixão. Deu muita saudade da Scully das primeiras temporadas, que deu lugar à mulher quase submissa, que fica em casa dando telefonemas enquanto deixa o parceiro correr o país atrás do filho que todo mundo quer matar, inclusive ele mesmo. Moleque chato! “Ain, tenho super poderes e uma ligação mental com a minha mãe biológica, então vou ter duas namoradas, brincar de fazê-las matarem uma à outra e nunca vou deixar a mulher me ver, because reasons.” O mimadão sabia o quanto a mulher queria encontrá-lo mas preferiu brincar e fazer cosplay de Mulder quando ela teve a chance de falar com ele. Quero suprimir a memória do Mulder perseguindo o menino adolescente na plataforma. Eu não sei se era o personagem ou o ator, mas alguém ali estava à beira de um enfarto. Aí o floquinho de neve, também conhecido por William Scully/Jack Van de Kamp, encara o Smoking Man, ainda usando a imagem de Mulder e leva um tiro na testa no lugar do pai/meio irmão. Mulder atira no vilão e o cara morre. Claro, o míssil não deu conta em 2002, mas três tiros do Fox são capazes de derrubar até o Drácula. Para acabar com a coisa toda, ao ver o filho morto, Scully vem toda na base da atitude “também, nem queria esse aí, não era meu, nem deveria existir” e Mulder de repente vira o pai do ano, declarando que não sabe ser outra coisa que não, pai. Deixa ver se entendi: você passou dois dias com o menino quando ele nasceu, 17 anos depois, gastou horas perseguindo o rebento só porque ela mandou e agora vem dizer que não sabe ser outra coisa? Pode até ter pensado no assunto e sofrido por isso, afinal você é Fox Mulder, o bom moço mais bom moço da ficção científica, mas o que você foi nos últimos 57 anos, amigão? Uma samambaia? Aí ela vem com a solução mágica: “mas você é pai!” E coloca a mão dele na barriga. Lindo! A mulher tem 53 anos, os óvulos todos foram removidos em 1994, dessa vez ninguém estava usando a infeliz de cobaia e ela engravida sem querer. Para quebrar o cima de Maria do Bairro, temos nos últimos segundos, William saindo da água com a testa furada, no melhor estilo supersoldado.

Sério, Chris Carter, Fox, ou quem mais possa decidir. A galinha dos ovos de ouro que vocês não quiseram matar, morreu de velhice, é um zumbi inconveniente se alimentando do sucesso que marcou uma geração e mudou a TV para sempre. Atira na cabeça e deixe a coitada descansar em paz. Não faça mais um filme, não tente spin off, não continue com Miller e Einstein. Deixa pra lá. Da minha parte, vou ficar com o final da oitava e fingir que o resto foi fanfic.