Sim, eu acordei às 5:50 da manhã. Num domingo. Para correr.
De propósito. Qualquer um que me conheça um pouquinho sabe o absurdo de cada termo dessa afirmação. Mil vezes ler um livro de 500 páginas a correr
500 metros. Como, então, aconteceu algo assim?
Uns dois meses atrás, uma amiga fitness veio com a ideia:
“vamos nos inscrever numa corrida?”. O que poderia dar errado? Em meio a
risadas, topamos. Uma amiguinha mais orgulhosamente sedentária que eu, uma
menina meiga que pretendia melhorar o condicionamento, a irmã da amiga fitness,
mais fitness que ela e eu, que sempre preferia qualquer outra matéria a educação
física e geralmente era dispensada da aula para fazer pesquisa teórica sobre os
esportes. Para completar, a síndrome do vaso vagal me impede de esforços
físicos extremos desde sempre. Posso dizer que a bendita síndrome é uma das
principais responsáveis pela minha relação com os livros, então, não tenho
absolutamente nada contra ela.
Por que eu topei? Porque adoro as meninas e não seria estraga-prazeres,
além de estar precisando fazer as pazes com o corpo. Não é exagero quando dizem
que tudo muda depois dos 35. Logo depois da inscrição, compromisso de treinar e
toca a fazer o que? Assistir vídeos de corrida no YouTube.
Numa mudança de trabalho, meu contato com a equipe ficou
limitado ao nosso incrível grupo de Whatsapp e meu tempo e disposição para os
treinos diminuíram até desaparecerem para sempre.
Três dias antes da corrida, resolvi treinar e
percebi um zumbido desagradável no ouvido, ainda assim, consegui correr/caminhar
os 5km. Mantive o treino secreto no Strava porque o tempo foi constrangedor, embora melhor do que esperava. No dia seguinte, a garganta amanheceu
dolorida e o corpo pedia cama. Tomei um anti-inflamatório e dei uma maneirada,
mas ainda joguei queimada com o time da minha prima à noite. Parei logo que o
frio da noite incomodou e vivi normalmente o sábado. Dormi cedo como um atleta
tem que fazer e quando o celular despertou, tive certeza que era uma pegadinha.
Eram 6:20 quando saí de casa, quase sem voz e sem cor, amaldiçoando o dia em
que topei esse despropósito. Para começar, havia outros carros na rua. Quem, em
sã consciência, sai de casa antes das 7 num domingo frio? O que essas pessoas
têm na cabeça? Nem acreditei quando entrei na fila para largar, “azamiga” não
paravam de rir da minha cara de quem ia para a forca. A uns 600 metros, a amiga
fitness, o pai da amiga sedentária – que substituiu a irmã da amiga fitness - e
a menina que queria condicionamento, sumiram, deixando as duas sedentárias para
trás. A quase incapacidade de respirar diminuiu meu ritmo consideravelmente e
pude fazer uma das coisas que mais gosto na vida: observar as pessoas quando
elas pensam que não tem ninguém olhando. Senhoras felizes só por estarem ali,
um casal muito fofo de namorados adolescentes, corredores contumazes, famílias e casais.
Cada um tinha seu motivo para encarar aquela doideira e todos pareciam satisfeitos de maneira
pouco usual. Naquela manhã fria de domingo, cada um dando seu melhor, pude ver
uma felicidade que não vejo em outros ambientes. O porquê, só posso supor. Pode
ser que tenhamos sido feitos para superar desafios e que nada seja mais humano
que buscar os seus limites, pode ser que focar num objetivo sem competir com ninguém seja uma receita de felicidade, ou que seja só a descarga de serotonina, mas
fazia muito tempo que não via tanta gente alegre num mesmo ambiente.
Cruzamos a linha de chegada e passamos muitos minutos
procurando o resto da equipe, que nos abandonara pelo caminho e nem isso tirou o bom humor de ninguém. Muitas
selfies por todos os lados e sorrisos espontâneos onde quer que olhasse.
Algumas lições ficaram:
1.
Não dá para treinar de véspera. Ao contrário do que acontecia na escola, se quiser um bom resultado, vou precisar de disciplina;
2.
A alegria é simples. Amigos, tênis e um objetivo
podem ser o suficiente;
3.
Exercício cura gripe. À exceção de uma
rouquidão, estou ótima;
4. Se precisar de uma parceira em batalha, escolho
a amiga sedentária. As outras deixaram a soldada ferida para trás;
5.
Ninguém me leva a sério. 100% dos comentários na
foto postada nas redes são de descrença;
6.
Acho que gosto de correr. Amanhã pretendo
começar um treino decente.