terça-feira, 19 de junho de 2018

Crônica - Corrida, amigos e felicidade



Sim, eu acordei às 5:50 da manhã. Num domingo. Para correr. De propósito. Qualquer um que me conheça um pouquinho sabe o absurdo de cada termo dessa afirmação. Mil vezes ler um livro de 500 páginas a correr 500 metros. Como, então, aconteceu algo assim?
Uns dois meses atrás, uma amiga fitness veio com a ideia: “vamos nos inscrever numa corrida?”. O que poderia dar errado? Em meio a risadas, topamos. Uma amiguinha mais orgulhosamente sedentária que eu, uma menina meiga que pretendia melhorar o condicionamento, a irmã da amiga fitness, mais fitness que ela e eu, que sempre preferia qualquer outra matéria a educação física e geralmente era dispensada da aula para fazer pesquisa teórica sobre os esportes. Para completar, a síndrome do vaso vagal me impede de esforços físicos extremos desde sempre. Posso dizer que a bendita síndrome é uma das principais responsáveis pela minha relação com os livros, então, não tenho absolutamente nada contra ela.
Por que eu topei? Porque adoro as meninas e não seria estraga-prazeres, além de estar precisando fazer as pazes com o corpo. Não é exagero quando dizem que tudo muda depois dos 35. Logo depois da inscrição, compromisso de treinar e toca a fazer o que? Assistir vídeos de corrida no YouTube.
Numa mudança de trabalho, meu contato com a equipe ficou limitado ao nosso incrível grupo de Whatsapp e meu tempo e disposição para os treinos diminuíram até desaparecerem para sempre. 
Três dias antes da corrida, resolvi treinar e percebi um zumbido desagradável no ouvido, ainda assim, consegui correr/caminhar os 5km. Mantive o treino secreto no Strava porque o tempo foi constrangedor, embora melhor do que esperava. No dia seguinte, a garganta amanheceu dolorida e o corpo pedia cama. Tomei um anti-inflamatório e dei uma maneirada, mas ainda joguei queimada com o time da minha prima à noite. Parei logo que o frio da noite incomodou e vivi normalmente o sábado. Dormi cedo como um atleta tem que fazer e quando o celular despertou, tive certeza que era uma pegadinha. Eram 6:20 quando saí de casa, quase sem voz e sem cor, amaldiçoando o dia em que topei esse despropósito. Para começar, havia outros carros na rua. Quem, em sã consciência, sai de casa antes das 7 num domingo frio? O que essas pessoas têm na cabeça? Nem acreditei quando entrei na fila para largar, “azamiga” não paravam de rir da minha cara de quem ia para a forca. A uns 600 metros, a amiga fitness, o pai da amiga sedentária – que substituiu a irmã da amiga fitness - e a menina que queria condicionamento, sumiram, deixando as duas sedentárias para trás. A quase incapacidade de respirar diminuiu meu ritmo consideravelmente e pude fazer uma das coisas que mais gosto na vida: observar as pessoas quando elas pensam que não tem ninguém olhando. Senhoras felizes só por estarem ali, um casal muito fofo de namorados adolescentes, corredores contumazes, famílias e casais. Cada um tinha seu motivo para encarar aquela doideira e todos pareciam satisfeitos de maneira pouco usual. Naquela manhã fria de domingo, cada um dando seu melhor, pude ver uma felicidade que não vejo em outros ambientes. O porquê, só posso supor. Pode ser que tenhamos sido feitos para superar desafios e que nada seja mais humano que buscar os seus limites, pode ser que focar num objetivo sem competir com ninguém seja uma receita de felicidade, ou que seja só a descarga de serotonina, mas fazia muito tempo que não via tanta gente alegre num mesmo ambiente.


Cruzamos a linha de chegada e passamos muitos minutos procurando o resto da equipe, que nos abandonara pelo caminho e nem isso tirou o bom humor de ninguém. Muitas selfies por todos os lados e sorrisos espontâneos onde quer que olhasse. Algumas lições ficaram:
1.       Não dá para treinar de véspera. Ao contrário do que acontecia na escola, se quiser um bom resultado, vou precisar de disciplina;
2.       A alegria é simples. Amigos, tênis e um objetivo podem ser o suficiente;
3.       Exercício cura gripe. À exceção de uma rouquidão, estou ótima;
4.    Se precisar de uma parceira em batalha, escolho a amiga sedentária. As outras deixaram a soldada ferida para trás;
5.       Ninguém me leva a sério. 100% dos comentários na foto postada nas redes são de descrença;
6.       Acho que gosto de correr. Amanhã pretendo começar um treino decente.

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