MUITOS SPOILERS! SE NÃO ASSISTIU TUDO E NÃO QUER SABER, SAIA DAQUI!
Era o fim de 2017. Numa preguiça muito mais forte que eu, procurava
algo em que desperdiçar o tempo na frente da TV. Queria uma coisa divertida sem
ser pateta e meio tosca para eu não esquecer o quanto sou besta. Já tinha assistido a todos os
episódios de The Walking Dead, então abri o diretório de séries do Now e deixei
a vida me levar (por que não fui para a Netflix? Ora, estava com preguiça de
pegar o computador). Num tédio digno de pena, fui passando de nome em nome sem
me prender a nada, cogitava desistir e procurar algo de útil para fazer
quando, voltando à primeira página, vi a sugestão de algo familiar, mas muito,
muito antigo e que eu gostava bastante quando adolescente, até onde me lembro aquele protagonista foi um dos meus celebrity crushs do começo da adolescência. Provavelmente não tinha assistido tanto quanto gostaria, afinal, nos anos 90, TV paga e internet eram
luxos que a gente conhecia o suficiente para saber que existiam, mas não eram
para todo mundo, muito menos para mim.
Foi assim que comecei a maratonar Arquivo X. Logo no
primeiro episódio tive a certeza de estar diante de algo que jamais iria ao ar
agora e, justamente por isso, adorei o que vi. Os protagonistas eram humanos
demais, nenhum dos dois tinha aquela perfeição exigida pelas câmeras HD, 4K, ou
seja lá o que for, do século XXI. As roupas oversize, o cabelo meio estranho
dela (alguém lembra do penteado usado num encontro no 3º episódio? Pois é, eu
lembro), o jeito nerd/bom moço/maluco dele. Gostei da escolha dos atores que,
embora atraentes, não ostentavam aquela beleza inalcançável que vemos todo dia.
Ela tinha sardas e o nariz idêntico ao da minha mãe, ele, nenhum músculo definido e um
andar desajeitado que me fez rir muitas vezes. Hoje, Dana Scully seria Scarlett
Johansson e Fox Mulder, um dos irmãos Hemsworth (provavelmente o Liam).
Desde que comecei a escrever ficção, construção de
personagens é algo que me fascina. Entendo que a trama é uma boa desculpa para
mostrar quem são eles. Enfim, foi fantástico conhecer um cara obstinado,
sarcástico e disposto a acreditar em duendes, ET's, bruxas, fantasmas, vampiros, vudu, teorias conspiratórias e qualquer coisa que supostamente uma tribo
de nômades do deserto acreditou 5.000 anos atrás, trabalhando com uma médica,
mestre em física, cristã, orgulhosa de seu rigor científico e ceticismo. Logo
de cara, um episódio com direito a exumação de cadáver não humano, abdução de adolescentes e um
garoto em coma correndo em fuga pela rua, isso além de termos a Scully
mostrando o corpinho para o Mulder com a desculpa de querer saber que marca era aquela (não julgo. Eu,
provavelmente, faria o mesmo).
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Como não amar os anos 90?
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Daí vão se seguindo episódios cheios de ação, mistério e
efeitos especiais constrangedores, onde a lealdade e amizade dos dois vai crescendo
a cada caso. Logo descobrimos que existe uma conspiração maior que a obsessão
de Mulder em encontrar a irmã abduzida na infância. A dupla vira shipp na
segunda temporada, depois da abdução dela, mas o relacionamento segue platônico
por muitas temporadas, para alívio de quem já viu outras séries de ação
perderem o rumo ao transformar seus protagonistas em casal cedo demais. A coisa
vai muito bem, temos no “Smoking Man” um vilão para odiar sem ressalvas; no Krycek, um antagonista menor para nos confundir, um aliado duvidoso no Skinner, o núcleo cômico nos
Pistoleiros Solitários, doses de drama, parentes mortos, doenças incuráveis, humor, mistério, ação e uma mitologia meia
boca, que convence e atrai.
A coisa começa a ficar estranha entre a sexta e sétima
temporadas, especialmente depois que ele descobre que a irmã morreu ainda nos
anos 70, que os pais sabiam da treta e que é filho de seu arqui-inimigo (Luke Skywalker feelings), Scully descobriu e perdeu uma filha num arco de dois
episódios, se descobre estéril e a química entre os dois começa a sair das entrelinhas.
A sétima temporada acaba com Mulder abduzido e Scully grávida, um novo agente
difícil de engolir, Skinner naquela postura “não sei de que lado vou ficar, por
enquanto, fico em cima do muro levando pedrada de todo mundo”.
A 8ª temporada serve para nos mostrar que não importa
quantas criaturas e luzes estranhas a série tenha, nem o quão durona a Scully
seja correndo e dando porrada de salto alto, sem o Mulder atrevido,
insubordinado e crente no improvável, a série não se sustenta. Pois bem, ele volta nos últimos episódios, resolve a coisa toda, Smoking Man e Krycek estão mortos, os
extraterrestres prometeram deixar William (o filho da Scully) em paz, os Pistoleiros fazendo as
vezes de reis magos e um beijo tão fofo entre os dois, que eu queria guardar
num potinho (sim, eu tenho coração).
Podia ter acabado a série por aí. David ia
correr atrás da carreira no cinema que desejava, o spin off dos Pistoleiros
seguiria, todo mundo ficaria feliz. Mas Chris Carter se recusou a sacrificar a
galinha dos ovos de ouro e lá fomos nós para a 9ª temporada, sem Mulder, Scully
quase sempre fora de ação e a tentativa patética de repetir a química dos primeiros protagonistas com Mônica e John. Mesmo
assim, a coisa se arrastou, pegando algum embalo nos últimos cinco episódios,
com a morte dos Pistoleiros, a adoção de William, o julgamento de Mulder e uma
data para o fim do mundo: 22 de dezembro de 2012. Tiro porrada e bomba, temos a
última cena cheia de incertezas e alguma esperança.
A partir daí, o caldo entorna de uma vez por todas (sim, eu
vou ignorar o segundo filme). Anuncia-se a 10ª temporada, anos depois e com os
mesmos atores, numa continuação da trama bem longe de onde ficou em 2002. Por que não
fizeram isso em 2012, quando a humanidade deveria ser extinta, o mundo estava
histérico, era a data que eles receberam na 9ª temporada e ainda não dava pena
ver o David Duchovni correndo? Nunca vamos saber. A série está irreconhecível e
os personagens perderam muito do que os fez interessantes lá em 1993. Admito
que a crise existencial e os perrengues nesse mundo novo foram divertidos de ver
por um ou outro episódio, mas não justificaram a volta de uma série icônica e
tão querida. Aliás, alguém me explica por que a Mônica virou babá do
Smoking Man? A 11ª até teve seus momentos dignos dos anos 90: destaque para o
episódio em que eles encontram William pela primeira vez e o futurista,
Rm9sbG93ZXJz, com ares de Black Mirror e uma premissa mal aproveitada, mas que
rendeu um bom entretenimento.
Na noite passada, assisti ao último episódio, com semanas de
atraso e o coração na mão. Podia ser a cereja do bolo ou o prego no caixão. Deu
muita saudade da Scully das primeiras temporadas, que deu lugar à mulher quase
submissa, que fica em casa dando telefonemas enquanto deixa o parceiro correr o
país atrás do filho que todo mundo quer matar, inclusive ele mesmo. Moleque
chato! “Ain, tenho super poderes e uma ligação mental com a minha mãe
biológica, então vou ter duas namoradas, brincar de fazê-las matarem uma à
outra e nunca vou deixar a mulher me ver, because reasons.” O mimadão sabia o
quanto a mulher queria encontrá-lo mas preferiu brincar e fazer cosplay de
Mulder quando ela teve a chance de falar com ele. Quero suprimir a memória do
Mulder perseguindo o menino adolescente na plataforma. Eu não sei se era o
personagem ou o ator, mas alguém ali estava à beira de um enfarto. Aí o
floquinho de neve, também conhecido por William Scully/Jack Van de Kamp, encara
o Smoking Man, ainda usando a imagem de Mulder e leva um tiro na testa no lugar
do pai/meio irmão. Mulder atira no vilão e o cara morre. Claro, o míssil não deu conta em 2002, mas três tiros do Fox são capazes de derrubar até o Drácula. Para acabar com a coisa toda, ao ver o filho morto, Scully
vem toda na base da atitude “também, nem queria esse aí, não era meu, nem deveria existir” e Mulder de repente
vira o pai do ano, declarando que não sabe ser outra coisa que não, pai. Deixa
ver se entendi: você passou dois dias com o menino quando ele nasceu, 17 anos depois, gastou horas perseguindo o rebento só porque ela mandou e agora vem dizer que
não sabe ser outra coisa? Pode até ter pensado no assunto e sofrido por isso, afinal você é Fox Mulder, o bom moço mais bom moço da ficção científica, mas o que você foi nos últimos 57 anos, amigão? Uma
samambaia? Aí ela vem com a solução mágica: “mas você é pai!” E coloca a mão
dele na barriga. Lindo! A mulher tem 53 anos, os óvulos todos foram removidos
em 1994, dessa vez ninguém estava usando a infeliz de cobaia e ela engravida
sem querer. Para quebrar o cima de Maria do Bairro, temos nos últimos segundos,
William saindo da água com a testa furada, no melhor estilo supersoldado.
Sério, Chris Carter, Fox,
ou quem mais possa decidir. A galinha dos ovos de ouro que vocês não quiseram
matar, morreu de velhice, é um zumbi inconveniente se alimentando do sucesso
que marcou uma geração e mudou a TV para sempre. Atira na cabeça e deixe a
coitada descansar em paz. Não faça mais um filme, não tente spin off, não
continue com Miller e Einstein. Deixa pra lá. Da minha parte, vou ficar com o
final da oitava e fingir que o resto foi fanfic.