domingo, 1 de outubro de 2017
quinta-feira, 20 de abril de 2017
Deixa de drama
O mundo não
está nem aí para você. Sério. Marque minhas palavras. Ninguém liga para o que
você faz ou deixa de fazer, muito menos para o que você sente. Se você não
deixar vítimas pelo caminho, ninguém vai gastar muito tempo pensando na sua
vida. Não, essa não é uma má notícia, não significa que a realidade é mais fria
e cruel do que você esperava. É uma informação libertadora.
Preconceito, intromissão, julgamento é outra coisa. Seria tacar tinta preta no seu cabelo de unicórnio, te internar num SPA contra sua vontade, negar uma contratação porque você é gay e dá pinta. Acontece? Acontece. E é sério pra caramba. Procura um advogado, a delegacia ou um psiquiatra para a pessoa que fizer, mas não confunda esse tipo de coisa com aquela franzida de testa que a senhorinha deu quando viu seu short. Ela tem a opinião dela, aquela olhadinha esnobe que você deu quando viu as luzes mal feitas dela é tão desagradável quanto e, em geral, as coisas ficam por aí.
“Mas eu tenho o
direito a buscar a minha felicidade, e essas conversas me deixam chateado”. Tem
mesmo, mas deixa de dar um spoiler. Se depender da aprovação dos outros, você não
vai encontrá-la. Gente bem sucedida não tem nem tempo a perder tentando
descobrir o que o outro acha. A opinião do outro é problema exclusivo, adivinha
de quem? Isso mesmo! Do outro. Portanto, vai viver e aprende a dar risada
quando a sua avó não entender que você vive de fazer vídeos para a internet.
Ela não vai entender, nem precisa. Ela vai ver o resultado, seu olho brilhando,
suas frustrações. E quem te ama vai sofrer, torcer, vibrar e rir junto. Quem só
te conhece, talvez note o suficiente para falar alguma coisa. E sim, vai
comentar o que concorda e criticar o que não concorda. É da natureza humana,
lide com isso.
terça-feira, 14 de março de 2017
O aniversário
São seis da
manhã. O garoto acaba de acordar, esperto, pula na minha cama com a mamadeira
entre os dentes. Escuto a mãe dele saindo para o trabalho. Pelo menos ela tem
conseguido umas faxinas e garante a comida na mesa. Fico mal com isso, ela
queria estudar, ser alguém. Eu nunca gostei de escola, larguei na sétima série
e não teve quem me fizesse voltar. A surpresa veio quando ela ainda estava no ensino médio
. O pai expulsou de casa, tivemos que conseguir um barraco e nos juntar até que a menina veio. Minha princesa, delicada e carinhosa. Eu trabalhava na fábrica, conseguia cuidar das duas. Quando a menina tinha quatro anos, ele nasceu. Meu garotão, parceiro pra jogar bola, soltar pipa, ensinar a ser homem.
. O pai expulsou de casa, tivemos que conseguir um barraco e nos juntar até que a menina veio. Minha princesa, delicada e carinhosa. Eu trabalhava na fábrica, conseguia cuidar das duas. Quando a menina tinha quatro anos, ele nasceu. Meu garotão, parceiro pra jogar bola, soltar pipa, ensinar a ser homem.
Aí ano passado
veio a bomba. Fechou a fábrica e um monte de outras, toca a procurar trabalho.
Sai de manhã, volta à noite. Nem entrevista. Quando aparece uma vaga, pedem
ensino médio. E precisa disso pra pegar peso, apertar botão? Ela também foi
atrás, acabou conseguindo umas faxinas. As madames gostaram. Claro que
gostaram, ela sempre foi doida com a casa, um capricho só, é até chata. Agora
segura as pontas com isso.
Eu continuo
tentando, mas o desânimo já tomou conta, nem dá mais vontade de ir atrás. Não tenho
mais portas para bater. Levanto para arrumar a menina. Graças a Deus, ela
conseguiu vaga na escola aqui perto. Com fé em Deus ela vai estudar. Ela sim, vai ser
gente na vida.
Deixo o menino
com a minha tia. Velha abençoada! Fala muito, mas cuida dele como ninguém, até
estraga o menino. Na volta do colégio, passo no armazém. Sempre tem um caminhão
pra descarregar, limpeza pra fazer, qualquer coisa que renda um trocado. Hoje
não tem nada. Agora só no sábado, coisa da crise, foi o que o gerente disse.
Deve ser, tudo parado. Ninguém compra, ninguém vende, ninguém trabalha.
Não quero ir
pra casa sem nada. Amanhã ele faz dois anos. Desse jeito, nem um sorvetinho
consigo levar o menino pra tomar. Faz meses que não aparece serviço de pintura,
me virei um tempo assim, até que foi rareando e acabou. Agora todo mundo quer
empresa com nota fiscal, tudo direitinho. Estou ficando sem ideias. A tia
chamou pra almoçar. Vou aproveitar e tentar na net. Sempre tem alguma coisa pra
jogo no grupo.
Nada. Ninguém
procurando. Tá foda. Vou oferecer, vai que rola. Uns minutos pensando no que
escrever, vou mandar a real.
“ Amanhã meu
filho faz dois anos, e não tenho um puto no bolso, queria fazer alguma coisa
pra ele, dar uma saída com ele e a irmã. Qualquer serviço que tiverem, virar
massa, limpar uma casa, pintura, eu topo. Me chama inbox.”
Agora bora ver
o que acontece. Banho no moleque, olho o celular. Caraca, tem um monte de
comentários! Eu não tô acreditando! Gente oferecendo as coisas pra festa,
serviço, dinheiro, ajuda. Não sei o que dizer, tem gente querendo me
entrevistar. Calma! Vou responder o que ofereceu serviço pra amanhã primeiro.
Massa, agora o pessoal que ofereceu as coisas de festa. Será que a nega vai
gostar dessa história? O moleque vai se amarrar. Respondi todo mundo, agora a
tal repórter. Putz, tá anoitecendo, a nega já deve estar em casa com a menina.
Vou embora.
Nem estou conseguindo
dormir. Amanhã já tem trampo e duas entrevistas. O dia passou voando, o celular
não parou. O moleque tá feliz da vida, ganhou bolo, cachorro quente, bexiga,
tem um monte de moleques aqui em casa e eles estão tocando o terror. O garoto
tem o maior sorriso do mundo e a mãe dele até chorou na hora dos parabéns.
Ganhei um beijo babado e cheio de glacê, e foi o melhor da minha vida toda.
Acho que posso dizer que sou bem sucedido.
terça-feira, 7 de março de 2017
O Alien Insuperável
Eu realmente acredito que existam outras espécies
inteligentes além da nossa nesse universo. Se eles estão ou já estiveram entre
nós, tive dúvidas por muito tempo. Não vejo muito motivo para uma civilização
superior atravessar o espaço para visitar a nossa, tão defeituosa.
Há uns dias, cheguei à conclusão que pelo menos uma dessas
espécies está mesmo entre nós. Eles trabalham, comem, se relacionam e se
parecem conosco, mas têm uma característica peculiar. São impossíveis de vencer
em absolutamente tudo. Não estou falando de medalhistas e grandes empresários,
nem de vencedores do Nobel. Nada disso. O alien insuperável pode ser a sua
vizinha, o irmão do cunhado, namorado da prima e até você mesmo.
Eles até conseguem esconder essa qualidade por um tempo, mas
ela costuma se revelar logo nas primeiras provocações. Faça o teste. Conte uma
história de algum conhecido que tenha dez filhos, ele conhece um que tem doze,
comente que seu filho não te deixa dormir a um mês, ele estará insone a um ano.
Experimente comentar que a sua avó é engraçada e ele vira neto da Dercy
Gonçalves. Ouse mencionar um negócio lucrativo e ele terá ganho o triplo de
maneira muito mais fácil.
Ao que tudo indica essa espécie não tem a intenção de
dominar o nosso mundo e nem é potencialmente letal, o maior mal que pode fazer
é estragar o seu dia ou uma boa história. Sob nenhuma circunstância tente
desmentir o que ele conta. É possível que essa espécie tenha o poder de viajar
entre dimensões paralelas, por isso os fatos narrados podem ser verdade numa
realidade que nós, meros mortais, não conseguimos alcançar.
A melhor maneira para
lidar com ele (ou ela, há relatos de aparições em ambos os gêneros) é ignorar e
se afastar sem movimentos bruscos. E torça para que o MIB exista de verdade, em
algum lugar. O melhor remédio para manter a sanidade é esquecer essa criatura.
terça-feira, 28 de fevereiro de 2017
Por que tê-los?
São três da
manhã e reviro a casa procurando um caderno com dinossauro na capa. Eu não
devia estar acordada a essa hora, não devia precisar procurar material escolar.
Na minha cabeça nada seria assim. A casa seria impecável, minha carreira não
sofreria, eu não teria estrias e aos sete e dez anos, eles cuidariam das
próprias coisas.
Olho em volta.
Jaqueta na cadeira, tênis no tapete, boneco quebrado sobre a mesa, livros fora
do lugar, objetos não identificados espalhados em lugares improváveis. Eu mesma
estou uma bagunça. Cabelos presos com um nó no alto da cabeça, desconfio que
não viram escova hoje. Estava trabalhando até agora. Por que? Tente escrever
enquanto dois meninos brigam por causa do controle do vídeo game, o volume da TV
nunca baixa e batalhas com sabres de luz se desenrolam no meio da casa. O trabalho
só começa depois que todo mundo está na cama.
De quem foi a
ideia de seres humanos se reproduzirem? É meio assim, comecei a pegar o jeito
dessa coisa de viver em sociedade, pagar contas, cuidar de mim. Aí tenho a
brilhante ideia de colocar outro ser humano no mundo e ter a responsabilidade
de fazer tudo isso por ele. Lembra que mal aprendi? Pois é, agora tenho que
fazer em dobro e preparar alguém para ser produtivo. Isso serve para ter
certeza que não entendi nada ainda, e aquele ser minúsculo vai me subjugar,
levar ao limite e mostrar que não sei nada sobre nada.
Planos?
Só servem para aumentar a frustração. Ele pode dormir a noite inteira no
primeiro mês, ou pode dar trabalho para isso aos dez anos, pode aprender a ler
sozinho ou ter dificuldade a vida toda na escola. Saber tudo sobre as
evacuações e rotina de higiene de outra pessoa é normal e isso não acaba depois
de três anos. E quando rola uma noite de folga, qual o assunto? Os pestinhas.
Meus e dos amigos, porque de repente fica impossível manter a amizade com quem
não os tem. Quem entenderia que a noite planejada por um mês vai ser cancelada
por causa de uma febre? Só quem está no mesmo barco.
Livros e
filmes passam a ser quase uma atividade clandestina. No horário normal, só os
deles. E por mais que eu goste de aventura, na quinta repetição de Jurassic
World, até o abdome do Chris Pratt perde a graça. Isso sem falar nas finanças.
Lembra daquele dinheiro para passar meses conhecendo a Ásia? Virou curso de
robótica e uma viagem para a Disney. Encontros empresariais e exposições de
arte dão lugar a festas de aniversário e visitas ao zoológico.
Achei o
bendito caderno embaixo da gaiola do hamster. Uma olhadinha rápida nos meninos
dormindo e o coração de enche dessa sensação que só conheci quando segurei cada
um deles no colo pela primeira vez. Descobri uma mulher diferente, que tem a
maior fraqueza exposta e uma força insuperável. Um carinho na bochecha do
caçula e lembro que os novos amigos são ótimos e que as crianças deles são
incríveis, que acompanhar o crescimento deles só me ajuda a descobrir a mim
mesma, que filmes de aventuras são excelentes inspirações e se não tivesse
aberto mão da vida corporativa, nunca me voltaria para a escrita. A viagem para
a Disney rendeu mais que diversão, eu nem sempre curtia tanto os eventos
empresariais e amo visitar o zoológico.
Percebo que a
maternidade vai além do ‘vale a pena’. É um presente a ser agradecido todos os
dias, que me ajuda a descobrir uma pessoa melhor, menos controladora e mais
dada a risadas. Conhecer-me mãe é o maior bônus que a vida adulta me trouxe até
hoje, e vai muito além de criar dois meninos.
segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017
Narciso
Ele vai da esquina até
o colégio onde estuda desde o maternal, com seu um metro e oitenta recém
adquiridos, andando com uma postura que não combina com seus quinze anos e que ostenta
orgulho. A menina loira o recebe com um abraço e um beijo no rosto, que ele
devolve sem prestar atenção. Selfie dos dois. Andam abraçados até o pátio.
Checa a rede antes de entrar. Mais de cem aprovações na foto da manhã antes de
entrar para a aula. Melhor que ontem, mas ainda pode evoluir. Tem milhares de
amigos e seguidores. Precisa saber a opinião deles a respeito de si o tempo
todo. Deseja a admiração, o respeito e a inveja deles.
Cada aula é uma
oportunidade de mostrar sua língua afiada e seu desprezo pelas regras. Responder
para a professora de história que a Mesopotâmia fica perto de Nova York,
garante risadas e a admiração dos colegas. Nada pode passar. Enfrentar
professores, ser amigo das pessoas certas, resgatar cachorrinhos, envolver-se
num movimento político que não entende. Toda oportunidade será aproveitada. A
imagem do garoto forte, bonito e destemido cresce a cada dia.
No intervalo, mais
meninas se juntam a ele. Alguns rapazes também. Selfie do grupo. Risadas.
Celulares. Selfies individuais. Likes. Comentários. Snap. Fim do intervalo. Fim
da aula. Trezentos likes na primeira foto da manhã. Cinquenta retweets. Muitos
comentários. Tudo está bem.
Enquanto espera o
elevador, ela chega. Cabelos castanhos nos ombros, vestido de algodão, tênis e
mochila. Boa aluna, amiga de infância. “Oi, Pedro. Passa lá em casa mais tarde,
tem música nova e o bolo de sempre.” Ele sorri, talvez o primeiro sorriso vindo
de dentro naquele dia. Mais tarde, chega à casa dela. Dois andares acima do
seu. Outro mundo.
Fotos nos
porta-retratos, pôsteres de viagens, bolo no forno, livros na parede, violão no
canto. Frequentava desde sempre e nunca enjoaria. A casa tem cheiros e
barulhos, bagunça e gente de verdade.
Ela toca, no teclado,
a composição nova feita em aula. Tem um jeito de canção de ninar e uma poesia
gostosa. Fala de juventude.
Deitados no chão do
quarto, conversam sobre a vida, lembram as brincadeiras de criança. Ele sente a
falta dela. “Você não devia ter mudado de escola.” “Acha que faria diferença?”
“Para mim, sim. Você teria me ajudado.” “Ajudado em que?” “A continuar tendo
dez anos.” “Ninguém poderia te ajudar nisso. Todo mundo cresce. Até eu.” “Mas
você não mudou. Se pudesse, me ajudaria?” Ela sorri um sim. Fazem silêncio.
Contam histórias. Seguram as mãos. Sente as entranhas se contorcerem, quer que
esse momento dure para sempre. Cada detalhe é vívido, e ele quer imprimi-lo na
mente. A colcha roxa, as cortinas começando a soltar do trilho, o criado
suportando os copos, a luminária dos minions, o casaco jogado na cadeira. Ela.
Covinhas, sardas, anéis de prata, pé na parede, cabelo macio e bagunçado,
camiseta do Queen. Perfeita.
Não sabe quando os
sentimentos mudaram, em um momento era a melhor amiga, de uma hora para a
outra, se tornou mais que isso. Percebeu no ano anterior, quando brigaram e
passaram muito tempo sem se falarem. Naquela época, sentiu que precisava
daquela presença, mesmo que discordassem, mesmo que ela risse dele, mesmo que o
criticasse. Talvez fosse exatamente por isso. Muitas garotas o queriam. Já
tinha beijado algumas delas, e com outras foi um pouco além. Ninguém o marcara
como ela, aquelas risadas em tardes longas e desconectadas, cheias de música,
chocolate, conversas sem fim e sem sentido. “Seus olhos têm pintinhas.” Ele a
estuda, apoiado nos cotovelos, meio deitado por cima dela. Ela os fecha.
“Sempre tiveram. Não fique encarando assim.” “Por que?” “Porque não quero que
me olhe desse jeito. Você não está pronto.” Nenhum dos dois disse mais nada.
Parte para casa
pensando no significado da frase. Por que não poderia olhá-la nos olhos? Será
que ela percebia como se sentia? Será que sentia o mesmo? Se sim, por que
achava que ele não estava pronto para olhar? Uma vez, leu que os olhos podiam
evidenciar o que se passa por dentro de alguém, que seriam um portal capaz de
transportar a um mundo que é puro sentimento. A amiga acreditava nisso. Ela o
achava um idiota? Queria esconder alguma coisa dele? Vai para a cama com essas
questões por companhia.
Às cinco e meia, o
despertador toca. Chuveiro. Shampoo. Secador. Mousse. Jeans. Camiseta. Coturno.
Shake de proteínas. Celular. Carregador. 4G. Selfie. Snap. Não existe motivo
para fazer diferente. Mais de mil likes nas fotos de ontem. Tudo está bem.
Suspiro. O espelho reflete o desconforto. Mais uma ajeitada no cabelo. É hora
de ir.
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