São três da
manhã e reviro a casa procurando um caderno com dinossauro na capa. Eu não
devia estar acordada a essa hora, não devia precisar procurar material escolar.
Na minha cabeça nada seria assim. A casa seria impecável, minha carreira não
sofreria, eu não teria estrias e aos sete e dez anos, eles cuidariam das
próprias coisas.
Olho em volta.
Jaqueta na cadeira, tênis no tapete, boneco quebrado sobre a mesa, livros fora
do lugar, objetos não identificados espalhados em lugares improváveis. Eu mesma
estou uma bagunça. Cabelos presos com um nó no alto da cabeça, desconfio que
não viram escova hoje. Estava trabalhando até agora. Por que? Tente escrever
enquanto dois meninos brigam por causa do controle do vídeo game, o volume da TV
nunca baixa e batalhas com sabres de luz se desenrolam no meio da casa. O trabalho
só começa depois que todo mundo está na cama.
De quem foi a
ideia de seres humanos se reproduzirem? É meio assim, comecei a pegar o jeito
dessa coisa de viver em sociedade, pagar contas, cuidar de mim. Aí tenho a
brilhante ideia de colocar outro ser humano no mundo e ter a responsabilidade
de fazer tudo isso por ele. Lembra que mal aprendi? Pois é, agora tenho que
fazer em dobro e preparar alguém para ser produtivo. Isso serve para ter
certeza que não entendi nada ainda, e aquele ser minúsculo vai me subjugar,
levar ao limite e mostrar que não sei nada sobre nada.
Planos?
Só servem para aumentar a frustração. Ele pode dormir a noite inteira no
primeiro mês, ou pode dar trabalho para isso aos dez anos, pode aprender a ler
sozinho ou ter dificuldade a vida toda na escola. Saber tudo sobre as
evacuações e rotina de higiene de outra pessoa é normal e isso não acaba depois
de três anos. E quando rola uma noite de folga, qual o assunto? Os pestinhas.
Meus e dos amigos, porque de repente fica impossível manter a amizade com quem
não os tem. Quem entenderia que a noite planejada por um mês vai ser cancelada
por causa de uma febre? Só quem está no mesmo barco.
Livros e
filmes passam a ser quase uma atividade clandestina. No horário normal, só os
deles. E por mais que eu goste de aventura, na quinta repetição de Jurassic
World, até o abdome do Chris Pratt perde a graça. Isso sem falar nas finanças.
Lembra daquele dinheiro para passar meses conhecendo a Ásia? Virou curso de
robótica e uma viagem para a Disney. Encontros empresariais e exposições de
arte dão lugar a festas de aniversário e visitas ao zoológico.
Achei o
bendito caderno embaixo da gaiola do hamster. Uma olhadinha rápida nos meninos
dormindo e o coração de enche dessa sensação que só conheci quando segurei cada
um deles no colo pela primeira vez. Descobri uma mulher diferente, que tem a
maior fraqueza exposta e uma força insuperável. Um carinho na bochecha do
caçula e lembro que os novos amigos são ótimos e que as crianças deles são
incríveis, que acompanhar o crescimento deles só me ajuda a descobrir a mim
mesma, que filmes de aventuras são excelentes inspirações e se não tivesse
aberto mão da vida corporativa, nunca me voltaria para a escrita. A viagem para
a Disney rendeu mais que diversão, eu nem sempre curtia tanto os eventos
empresariais e amo visitar o zoológico.
Percebo que a
maternidade vai além do ‘vale a pena’. É um presente a ser agradecido todos os
dias, que me ajuda a descobrir uma pessoa melhor, menos controladora e mais
dada a risadas. Conhecer-me mãe é o maior bônus que a vida adulta me trouxe até
hoje, e vai muito além de criar dois meninos.
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