Ele vai da esquina até
o colégio onde estuda desde o maternal, com seu um metro e oitenta recém
adquiridos, andando com uma postura que não combina com seus quinze anos e que ostenta
orgulho. A menina loira o recebe com um abraço e um beijo no rosto, que ele
devolve sem prestar atenção. Selfie dos dois. Andam abraçados até o pátio.
Checa a rede antes de entrar. Mais de cem aprovações na foto da manhã antes de
entrar para a aula. Melhor que ontem, mas ainda pode evoluir. Tem milhares de
amigos e seguidores. Precisa saber a opinião deles a respeito de si o tempo
todo. Deseja a admiração, o respeito e a inveja deles.
Cada aula é uma
oportunidade de mostrar sua língua afiada e seu desprezo pelas regras. Responder
para a professora de história que a Mesopotâmia fica perto de Nova York,
garante risadas e a admiração dos colegas. Nada pode passar. Enfrentar
professores, ser amigo das pessoas certas, resgatar cachorrinhos, envolver-se
num movimento político que não entende. Toda oportunidade será aproveitada. A
imagem do garoto forte, bonito e destemido cresce a cada dia.
No intervalo, mais
meninas se juntam a ele. Alguns rapazes também. Selfie do grupo. Risadas.
Celulares. Selfies individuais. Likes. Comentários. Snap. Fim do intervalo. Fim
da aula. Trezentos likes na primeira foto da manhã. Cinquenta retweets. Muitos
comentários. Tudo está bem.
Enquanto espera o
elevador, ela chega. Cabelos castanhos nos ombros, vestido de algodão, tênis e
mochila. Boa aluna, amiga de infância. “Oi, Pedro. Passa lá em casa mais tarde,
tem música nova e o bolo de sempre.” Ele sorri, talvez o primeiro sorriso vindo
de dentro naquele dia. Mais tarde, chega à casa dela. Dois andares acima do
seu. Outro mundo.
Fotos nos
porta-retratos, pôsteres de viagens, bolo no forno, livros na parede, violão no
canto. Frequentava desde sempre e nunca enjoaria. A casa tem cheiros e
barulhos, bagunça e gente de verdade.
Ela toca, no teclado,
a composição nova feita em aula. Tem um jeito de canção de ninar e uma poesia
gostosa. Fala de juventude.
Deitados no chão do
quarto, conversam sobre a vida, lembram as brincadeiras de criança. Ele sente a
falta dela. “Você não devia ter mudado de escola.” “Acha que faria diferença?”
“Para mim, sim. Você teria me ajudado.” “Ajudado em que?” “A continuar tendo
dez anos.” “Ninguém poderia te ajudar nisso. Todo mundo cresce. Até eu.” “Mas
você não mudou. Se pudesse, me ajudaria?” Ela sorri um sim. Fazem silêncio.
Contam histórias. Seguram as mãos. Sente as entranhas se contorcerem, quer que
esse momento dure para sempre. Cada detalhe é vívido, e ele quer imprimi-lo na
mente. A colcha roxa, as cortinas começando a soltar do trilho, o criado
suportando os copos, a luminária dos minions, o casaco jogado na cadeira. Ela.
Covinhas, sardas, anéis de prata, pé na parede, cabelo macio e bagunçado,
camiseta do Queen. Perfeita.
Não sabe quando os
sentimentos mudaram, em um momento era a melhor amiga, de uma hora para a
outra, se tornou mais que isso. Percebeu no ano anterior, quando brigaram e
passaram muito tempo sem se falarem. Naquela época, sentiu que precisava
daquela presença, mesmo que discordassem, mesmo que ela risse dele, mesmo que o
criticasse. Talvez fosse exatamente por isso. Muitas garotas o queriam. Já
tinha beijado algumas delas, e com outras foi um pouco além. Ninguém o marcara
como ela, aquelas risadas em tardes longas e desconectadas, cheias de música,
chocolate, conversas sem fim e sem sentido. “Seus olhos têm pintinhas.” Ele a
estuda, apoiado nos cotovelos, meio deitado por cima dela. Ela os fecha.
“Sempre tiveram. Não fique encarando assim.” “Por que?” “Porque não quero que
me olhe desse jeito. Você não está pronto.” Nenhum dos dois disse mais nada.
Parte para casa
pensando no significado da frase. Por que não poderia olhá-la nos olhos? Será
que ela percebia como se sentia? Será que sentia o mesmo? Se sim, por que
achava que ele não estava pronto para olhar? Uma vez, leu que os olhos podiam
evidenciar o que se passa por dentro de alguém, que seriam um portal capaz de
transportar a um mundo que é puro sentimento. A amiga acreditava nisso. Ela o
achava um idiota? Queria esconder alguma coisa dele? Vai para a cama com essas
questões por companhia.
Às cinco e meia, o
despertador toca. Chuveiro. Shampoo. Secador. Mousse. Jeans. Camiseta. Coturno.
Shake de proteínas. Celular. Carregador. 4G. Selfie. Snap. Não existe motivo
para fazer diferente. Mais de mil likes nas fotos de ontem. Tudo está bem.
Suspiro. O espelho reflete o desconforto. Mais uma ajeitada no cabelo. É hora
de ir.
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